Contemporização

O enevoado céu coava, num teor escatológico, estrondosos pingos d’água. Meu corpo físico recebia, violentamente, aquele cataclismo. A ardente carne estava embebida pela impetuosidade da atmosfera.

Já não era mais hora de seguir estatelado e perplexo naquele gramado. Num milissegundo de iluminação, reorientei meus pensamentos e pude encontrar um convincente ponto arquimediano, eliminando qualquer tipo de indeterminação ou dúvida.

Nem mesmo os mais estudiosos da conscienciologia – ou, mais especificamente, da projeciologia – seriam capazes de explanar o quão intenso foi aquele momento de transcendência.

Cheguei em casa e, energizado por essa dramática projeção, senti o mundo se mover por um novo élan. Tudo passava a ter sentido. Foi como naqueles instantes de intangível alegria: você sequer consegue assimilar o que está acontecendo. A intensa alegria vem, te contagia e, num momento cruel, se dissipa implacavelmente, sem você ao menos descobrir o porquê de seu sorriso.

Já dentro de casa, num período de tranquilidade e reflexão, à medida que finco meus negros olhos no céu emoldurado pela janela, reflito sobre um assunto aleatório. Aquilo cercava minha consciência e a colocava em estado de dúvida. Não conseguia emitir uma opinião contundente acerca daquele ponto. Era, de fato, uma pauta que dividia minhas elucubrações. Contudo, naquele ápice de claridade neural, pude inferir uma obviedade sobre o tópico.

Primeiramente, ilustríssimo leitor, permita que eu lhe apresente a reflexão em questão[...]

No dia anterior, havia conversado com uma pessoa exorbitantemente extremista no quesito política. Ela disse:

- Você precisa ter lado. Você é muito aberto pra debates e, desta forma, podem mudar seu pensamento. Podem te influenciar. Ou seja, é uma boa pessoa, porém, pode ser usado em prol de interesses espúrios. Pode acabar se tornando massa de manobra.

Minha resposta foi breve e curta:

- Compreendo e agradeço sua preocupação. Entretanto, isso não acontecerá de maneira alguma.

E por que eu dei a resposta acima?

É simples: não me privarei de debates construtivos ou de ouvir opiniões inteiramente dessemelhantes às minhas. A razão disso é bem simples e tenho certeza que entenderão.

A realidade em que vivemos é repleta de imprevisibilidades. Há muitas variáveis. Nosso mundo é apinhado de incertezas e aleatoriedades. Diante disso, quem afirma ser uma pessoa segura e certa em todos os pontos que defende, julgando todos por um mesmo parâmetro, se torna incapaz de buscar uma visão lúcida: ou é inexplicavelmente ingênua ou dramaticamente mentirosa.

Se o indivíduo é tão seguro de sua opinião, por que todo esse receio de colocá-la em debate? Quer dizer, se a opinião é tão forte, para que todo esse medo de ouvir visões agudamente inversas?

Eu ouço e creio que sempre ouvirei opiniões opostas. Não tenho a pretensão de ser a pessoa mais segura do mundo. Nem gostaria disso. Quem tem todas as certezas, na verdade, é a pessoa mais incerta.

Por que digo isto? Pois a realidade compartilhada em que estamos inseridos é brutalmente instável e implacável. Nenhum ser humano é capaz de predizer, dentro de uma mesma linha de interpretação, cada um dos chocantes eventos que podem se desenrolar numa aleatória antemanhã.

Estou sempre pronto para escutar diferentes perspectivas. Se minha visão mudar, é porque EU me convenci de que existe algo mais coerente. Se persistir na atual, é porque segue sendo a mais alinhada com o que idealizo. Ninguém vai me doutrinar.

Por mais que determinadas partes de alguns pontos de vista alheios me pareçam sedutoras, apenas incorporarei seus significados como verdadeiros se minha consciência assim desejar. Em termos genéricos, eu sou a última instância no momento de decidir qual vertente de pensamento se encaixa mais comigo.

A capacidade de haurir, para dentro de mim, uma opinião estrangeira, está atrelada ao fato de eu concordar integralmente com a essência daquela visão. Trata-se da imanência em seu puro estado: um acontecimento que tem princípio e fim em si mesmo. Pontos externos podem até interferir na minha tomada de decisão sobre qual ponto de vista adotarei, porém, somente eu, de maneira imanente, decido qual caminho seguir.

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